Um
monge descabelado me disse no caminho: “Eu queria construir uma ruína. Embora
eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa
ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as
taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da
ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num
cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o
arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O
olho do monge estava perto de ser um canto). Continuou: digamos a palavra AMOR.
A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir
uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio
pode nascer de um monturo”. E o monge se calou descabelado.
Manoel de Barros.
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