Em nenhuma refeição as cadências são mais distintas, desde o manejar mecânico do empregado, que apóia no zinco seu copo de café-com-leite, até o prazer contemplativo, com que, na pausa entre dois goles, o viajante vagarosamente esvazia a xícara. E tu mesmo estás sentado, talvez ao lado dele, à mesma mesa, no mesmo banco, e, contudo, te sentes distante e sozinho. Sacrificas tua sobriedade matinal para tomar alguma coisa. E o que não tomas com este café: toda a manhã deste dia e, às vezes também, a manhã perdida da vida!
Se, quando criança, tivesses sentado a esta mesa, quantos navios não teriam deslizado sobre o mar de gelo do tampo de mármore? Terias sabido como é o Mar de Mármara. Ao avistar um iceberg ou um veleiro, terias tomado um gole para o pai e um para o tio e um para o irmão, até que o creme boiando vagarosamente tivesse chegado à borda espessa da tua xícara, amplo promontio! Como tudo se passa rápida e higienicamente: bebes, não embebes, não ensopas. Sonolento, estendes a mão para apanhar a madeleine na cesta de pão e, partindo-a, nem sequer notas como te entristece não poder reparti-la.
BENJAMIN, Walter. Rua de Mão Única. p. 214
Um comentário:
Forte! Como um café. E não é que depois de 6 meses surge um bom café?! Obrigada por seus votos. Te desejo o mesmo e mais.
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pode escrever, não se encabule.