24/03/2011

quintana, u-topia, desejo de exílio

Há coisas que a minha alma, já tão mortificada, não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de paginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há... e quem é que hoje faz questão de 
[virgindades
E quando minha alma,
estraçalhada a todo instante pelos telefones, fugir desesperada,
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem, comendo o que todos comem. 
A estes, a falta de alma não incomoda. (Desconfio até que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
[…] 
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido...
Mario Quintana



A alma incomoda; talvez não lhe pertença. O estrangeiro de si mesmo, forasteiro do tempo, acena para um mundo-outro, topos desconhecido, mas quiçá possível – precisa o ser, sob risco do abandono derradeiro: o desespero, a des-esperança. Tocam os telefones, toca o rádio, sons repetitivos. A rotina desenha um futuro de burocratização e mesmice catastróficas à consciência inquieta que, mesmo sem saber ao certo o que quer, bem sabe o que não quer. A alma que incomoda perturba não somente a consciência, mas a ordem. O não-contentar-se do espírito utópico deseja o não existente. Contudo, no desejo de exílio, por causa dele e com ele, o topos-outro existe! Não somente como possibilidade, mas realidade: não fato, mas imaginação; não dado, mas vir-a-ser. É esta a diferença entre a-topia, lugar-nenhum, e u-topia, não-lugar. Diferença que é mais grave e profunda que o jogo etimológico dos radicais, pois envolve, fundamentalmente, maneiras de sentir, pensar e, claro, estar-no-mundo. O poeta em dias ímpios, diz Victor Hugo, vem preparar dias melhores. É ele o homem das utopias; os pés aqui, os olhos em outro lugar.


4 comentários:

Joelma B. disse...

Como sonhar quando se tem alma contundente?
Não se sonha...
inventa-se sonhos aproveitando o estado letárgico que acompanha os espasmos de dor...
os sonhos inventados são bolhas de sabão, frágeis, que conduzem os mundos perdidos de quem não se achou...

Gosto de te ler...

Beijinho utópico, moço escorregadio!

p.s: Adorei o pequeno homem do perfil...

; )

Anônimo disse...

Seu blog tb é bom!
Eu gostei deste "post" rs
Perfeito...

G. de gato disse...

Bem sabe o que não quer.

Camila disse...

Muito bom, professor! Lindo! Não sabia que você poetizava...

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