25/03/2012

ficção e realidade #2

Vivemos num mundo governado por ficções de toda espécie. O merchandising de massa, a publicidade, a política conduzida como um ramo da propaganda, a tradução instantânea da ciência e da tecnologia em imagens populares, a crescente mistura e interpenetração de identidades no reino dos bens de consumo, de apropriação pela televisão de qualquer resposta imaginativa livre ou original à experiência. Nossa vida é uma grande novela. Para o escritor, em particular, torna-se cada vez menos necessário inventar o conteúdo ficcional de sua obra. A ficção já está aí. A tarefa do escritor é inventar a realidade. No passado, sempre consideramos que o mundo exterior em torno de nós representava a realidade, por mais incerta ou confusa que fosse, e que o mundo interior de nossas mentes, seus sonhos, esperanças e ambições, representava o reino da fantasia e da imaginação. Esses papéis, também, me parecem, foram invertidos. O mais prudente e efetivo método de lidar com o mundo ao nosso redor é assumir que ele é uma ficção completa, e, inversamente, que o único e pequeno núcleo de realidade que nos resta está no interior das nossas próprias cabeças. A clássica distinção de Freud entre conteúdos manifesto e latente do sonho, entre o aparente e o real, precisa agora ser aplicada ao mundo externo da assim chamada realidade.


J. C. Ballard.