20/12/2014

artimanhas da ideologia

[...]  a maneira mais fácil de automaticamente marcar pontos em um debate é alegar que a posição do oponente não está propriamente "situada" em um contexto histórico: "Você fala sobre as mulheres - quais mulheres? Não existe a mulher enquanto tal, sua fala generalizada sobre as mulheres, em sua aparente neutralidade oniabrangente, não privilegia, então, certas figuras específicas da feminilidade e exclui outras?". Por que tal historicização radical é falsa, a despeito do óbvio momento de verdade que contém? Porque a própria realidade social contemporânea (o mercado global do capitalismo tardio) é dominada por aquilo que Marx se referiu como o poder de "abstração real": a circulação do Capital é a força de "desterritorialização" (para usar o termo de Deleuze) radical, que, em seu próprio funcionamento efetivo, ignora ativamente condições específicas, e não pode ser "enraizada" nelas. Não é mais, como na ideologia-padrão, a universalidade que encobre a torção de sua particularidade, de privilegiar um conteúdo particular; é, antes, a própria tentativa de localizar raízes particulares que encobrem ideologicamente a realidade social do reino da "abstração real".
Zizek. O amor impiedoso, p.10.