"Ah", disse o rato, "o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro". "Você só precisa mudar de direção", disse o gato e devorou-o. (Kafka).
É exatamente no momento de descoberta da impossibilidade de refúgio na persona de simples espectador que o homem se acha certamente confrontado com todos os medos de quem se vê como herdeiro, fiel depositário e reprodutor criativo. Medos cuja essência vem do se deparar com a possibilidade da própria finitude. Medos, como nos advertiam Delumeau e Duby, que o homem se encarrega de atualizar historicamente. Medos que Freud percebeu, que jorravam de três grandes fontes, desde sempre. Medo da natureza, das epidemias, da peste, do cólera, do ebola, da Aids; medo das más colheitas e do horror da fome; medo do mar e da incerteza dos oceanos; medo dos terremotos, maremotos, da morte e dos abismos onde habita o mal. Medo de uma natureza pensada como adversária a ser combatida e domada, externa e hostil ao homem. Medo também da decadência e da dissolução do próprio corpo, medo de envelhecer, de ver a si mesmo na sua elasticidade desejante e desejável transformado em corpo descartável, visto que imerso na lógica inexorável da sua finitude em direção ao inorgânico. Medo do passar do tempo, que ativa em nós a percepção da chegada da morte. Nada se compara, porém, nesse mundo hipermoderno, ao medo que hoje emana e se liga à nossa última fonte de sofrimento, segundo Freud. Não pelo caráter de novidade, mas pela exacerbação atual de sua função nesse mundo, tal como construímos com a intenção de morada e abrigo. É o medo que emerge da impossibilidade de ser e estar no mundo sem o outro, aquele com quem precisamos formar uma "comunidade de destino", para viabilizar nossa própria existência. Nunca como agora, nessa época de vigência plena da globalização hipermoderna, o outro pôde ser tanto fonte de medo e sofrimento. Intrusivo em suas formas de alteridade e significância social, ele termina por ser percebido como ameaçador, pelo que tem de diferente, pela aguda estranheza de seus códigos de vida, pela constatação de que "sua humanidade" não se reduz à nossa.
É exatamente no momento de descoberta da impossibilidade de refúgio na persona de simples espectador que o homem se acha certamente confrontado com todos os medos de quem se vê como herdeiro, fiel depositário e reprodutor criativo. Medos cuja essência vem do se deparar com a possibilidade da própria finitude. Medos, como nos advertiam Delumeau e Duby, que o homem se encarrega de atualizar historicamente. Medos que Freud percebeu, que jorravam de três grandes fontes, desde sempre. Medo da natureza, das epidemias, da peste, do cólera, do ebola, da Aids; medo das más colheitas e do horror da fome; medo do mar e da incerteza dos oceanos; medo dos terremotos, maremotos, da morte e dos abismos onde habita o mal. Medo de uma natureza pensada como adversária a ser combatida e domada, externa e hostil ao homem. Medo também da decadência e da dissolução do próprio corpo, medo de envelhecer, de ver a si mesmo na sua elasticidade desejante e desejável transformado em corpo descartável, visto que imerso na lógica inexorável da sua finitude em direção ao inorgânico. Medo do passar do tempo, que ativa em nós a percepção da chegada da morte. Nada se compara, porém, nesse mundo hipermoderno, ao medo que hoje emana e se liga à nossa última fonte de sofrimento, segundo Freud. Não pelo caráter de novidade, mas pela exacerbação atual de sua função nesse mundo, tal como construímos com a intenção de morada e abrigo. É o medo que emerge da impossibilidade de ser e estar no mundo sem o outro, aquele com quem precisamos formar uma "comunidade de destino", para viabilizar nossa própria existência. Nunca como agora, nessa época de vigência plena da globalização hipermoderna, o outro pôde ser tanto fonte de medo e sofrimento. Intrusivo em suas formas de alteridade e significância social, ele termina por ser percebido como ameaçador, pelo que tem de diferente, pela aguda estranheza de seus códigos de vida, pela constatação de que "sua humanidade" não se reduz à nossa.
EWALD, Ariane; SOARES, Jorge Coelho. Utopia com desencanto. In: Escola de Frankfurt: inquietudes da razão e da emoção.