20/06/2012

paisagens urbanas

O mundo não se descortina mais, como nas perspectivas tradicionais, num horizonte sem fim. Não se pode mais pretender olhá-lo como fazia o pintor, com seu cavalete armado no alto de uma colina: como de uma janela.
No horizonte, um mundo cada vez mais opaco. Quanto mais se retrata, mais as coisas nos escapam. Uma obsessão que, ao invés de criar transparência, só redobra essa saturação.
O olhar hoje é um embate com uma superfície que não se deixa perpassar. Cidades sem janelas, um horizonte cada vez mais espesso e concreto. Superfície que enruga, fende, descasca. Sobreposição de inúmeras camadas de material, acúmulo de coisas que se recusam a partir.
Cidades feitas de fluxos, em trânsito permanente, sistema de interfaces. Fraturas que esgarçam o tecido urbano, desprovido de rosto e história. Mas esses fragmentos criam analogias, produzem inusitados entrelaçamentos. Um campo vazado e permeável através do qual transitam as coisas. Tudo se passa nessas franjas, nesses espaços intersticiais, nessas pregas.

Nelson Brissac Peixoto. Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac, 2003.

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