02/07/2012

luta pela lembrança

Meus pensamentos se foram afastando de mim, porém chegado a uma senda acolhedora rechasso os tumultuosos pesares presentes e me detenho, de olhos fechados, enervado num aroma de distância que eu mesmo fui conservando, em minha pequena luta contra a vida. Somente vivi ontem. O agora tem essa desnudez à espera do que deseja, selo provisório que vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramarias, e à sombra estou deitado, recordando.
Subitamente contemplo surpreso longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a esta senda, com os olhos adormecidos na lembrança, cantam canções para si mesmos e recordam. E algo me diz que mudaram para se deterem, que falaram para se calarem, que abriram os olhos atônitos ante a festa das estrelas para os fecharem e recordar...
Deitado neste novo caminho, com os ávidos olhos enflorados de distância, cuido em vão de deter o rio do tempo que tremula sobre minhas atitudes. Mas a água que logro conhecer fica aprisionada nos ocultos reservatórios do meu coração em que amanhã terão de submergir minhas velhas mãos solitárias...

Neruda. Para Nascer Nasci, 1981, p. 12.

Um comentário:

Rogéria Thompson disse...

Gostei!
"Ontem é uma árvore de longas ramarias, e à sombra estou deitado, recordando."
Preciso levantar-me de debaixo dessa árvore... Boas férias!

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