01/04/2012

tempo e experiência

Somos el tiempo. Somos la famosa
parábola de Heráclito el Oscuro.
Somos el agua, no el diamante duro,
la que se pierde, no la que reposa.
Somos el río y somos aquel griego
que se mira en el río. Su reflejo
cambia en el agua dei cambiante espejo,
en el cristal que cambia como el fuego.
Somos el vano rio prefijado,
rumbo a su mar. La sombra lo ha cercado.
Todo nos dijo adiós, todo se aleja.
La memória no acuna su moneda.
Y sin embargo hay algo que se queda
y sin embargo hay algo que se queja.
J. L. Borges.

Somos tempo; nossa matéria é tempo. Mas o tempo é como um rio que flui incessante, em devenir. Sua verdadeira forma não se deixa captar; água que escorre pelos dedos que também não são os mesmos. A miúde, sua verdadeira forma é a não-forma, sua verdade universal e necessária é a ausência de qualquer determinação universal e necessária. Nós, que somos tempo, somos, em essência, a não-essência: cristal que se desforma e transforma com o fogo. "Tudo nos diz Adeus; tudo nos deixa". Cantou Rilke nas Elegias de Duíno: "Tal como o orvalho matinal sobre a erva, o que é nosso evapora-se de nós, como o calor de um prato fumegante".
"A memória não cunha sua moeda". Vivemos a grande era da "morte da experiência", como chamou Benjamin. A presentificação da vida, perda do passado e destruição do futuro, marca nossa existência moderna, incapaz de superar a si mesma, pois se realiza na aparência da não-contradição. O atualizar constante das caixas de e-mail revela o desejo pelo novo que é o mesmo. Efemeridade do tempo que se limita ao Agora. Agora que, soberano e tirano, faz de escravos seus súditos. Eis a alienação do tempo. Existência trágica, pois persegue um tempo vazio; o correr em torno de si mesmo da busca pelo tempo ausente só faz apertar o nó que nos amarra ao Agora e aliena da experiência.

Experiência: em alemão Erfahrung. Fahren: viajar; mais propriamente, atravessar regiões desconhecidas. Ora, é perigoso errar pelo desconhecido - perigo = Gefahr. Per-igo; Per, em latim, sair do já-sabido em direção ao novo. Periri = tentar. Periculo = navegação, busca, procura; dar-se com o perigo, arriscar-se no não antes navegado. Benjamin: "Onde há experiência no sentido estrito do termo, entram em conjunção a memória, certos conteúdos do passado individual com outros do passado coletivo". 
É pelo passado e pelo futuro que se forja a memória; ou seja, é na dialética do entrecruzamento do tempo, do que pode-ter-sido e do que poderá-ser, que se realizam as duas condições fundamentais da experiência: a dimensão coletiva da existência, e a consciência da finitude. É na percepção dos limites da nossa existência temporal que poderemos nos dar conta das infinitas possibilidades da vida.
A experiência moderna do tempo é, portanto, uma não-experiência. Por um lado, o retorno constante ao já conhecido, de recusa do erro e do risco. Por outro, a afirmação da existência de um Eu-fixo essencial e ensimesmado. Vidas cada vez mais tecnológicas são cada vez mais pobres em experiência, pois a multiplicação e diversificação dos meios de comunicação atacam as suas duas condições de realização: presentificam o tempo, plasmam o tempo no Agora, e isolam os indivíduos um dos outros. 
Não raro indivíduos tecnológicos alienam a si mesmos do próprio instante vivido, como estar com o corpo num show de rock intermediado pelo celular, vendo-o não com os próprios olhos mas através da tela da máquina, que levará às redes sociais a suposta imagem do presente. Muito melhor que eu disse Benjamin: "As rugas em nosso rosto são as assinaturas das grandes paixões que nos estavam destinadas, mas nós, os senhores, não estávamos em casa".

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